domingo, 1 de agosto de 2004

Doces lembranças…

Revista Na Real

Foi com muito prazer e um pouco surpreso que li a primeira edição da Na Real. Lembrar histórias que vivi e que fizeram parte da minha vida me enchem de nostalgia e, de certa maneira, me fazem reviver um pouco daquela época, que foi tão boa. Foi muito bacana ler todas aquelas estórias contadas pela turma de Atlântida. Gente da minha geração, lembrando causos dos quais fiz parte.

Mas acima de tudo foi uma agradável surpresa constatar que finalmente está caindo a ficha. Aos poucos, as pessoas ligadas ao surfe aqui no RS estão se dando conta da importância de resgatar o nosso passado. Mas o mais surpreendente no caso da Na Real, é que o responsável pela revista é um jovem que não tem nem idéia de como as coisas éram.

O Rafael, está aproveitando o foco que determinou para a revista, para conhecer a história do surfe no estado. Na primeira edição, diagramada de maneira impecável, com um texto envolvente e de fácil leitura, conhecemos a história do esporte na região de Atlântida. O bacana é que o Rafa – e torço para que aos poucos, todo o resto da geração dele – está curtindo esta coisa de ouvir histórias. Ele está aprendendo a respeitar o fato de que, antes dele, existiam outros caras abrindo as portas e preparando o terreno que ele ocupa hoje.

Se hoje existem centenas de surfshops, dezenas de fábricas de prancha, empresas de surfwear, associações de surf, competições, etc. no RS, é porque existiu uma turma de “desbravadores” encarando as dificuldades características daqui para “adequar” o esporte à esta realidade. Esta gente ignorou o frio, a falta de clientes e de ondas, lutou contra o que parecia óbvio e transformopu esta terra, tão distante do ideal sonhado pelos surfistas (clima tropical, altas ondas, etc.) em um verdadeiro pólo surfístico.

E a realidade é que sempre me chateou o fato destes pioneiros ficarem esquecidos, não recebendo o verdadeiro crédito que merecem. Cada vez que eu ouvia frases do tipo “a primeira vez na história do RS” ou “a maior já feita no estado…” ou ainda “ nunca antes conquistado…” sendo proferidas por gente que nasceu ontem e, literalmente assassinando a nossa história, confesso que sentia uma mágoa muito grande. E isto não se deve apenas ao fato de eu ter feito parte de um pedaço da história real, mas porque eu não acho justo este desleixo com uma coisa tão rica e bonita como a nossa.

Fico pensando neste assunto e me vem à mente cenas de surf na praia da Guarita, em Torres, por volta de 1979. Os imãos Barroso, Alemão Caio e outros, arrebentando de pranchão (ou seriam guns). O primeiro campeonato de surf estadual do qual participei, com o patrocínio da Lee, nos molhes de Torres. Um amigo me avisou que seria desclassificado caso encostasse os pés no chão. Perdi a bateria, mas juro que não encostei os pés no chão. Alguns anos depois: Circuito Renner de Surf. Milhares de pessoas lotam a praia para assistir a final do evento, em Atlântida. A Renner montava uma estrutura comparável a que vemos hoje para os X Games. Até loja do Kanto Kente tinha! Depois as etapas do circuito Brasileiro (ABRASP) patrocinadas pela Brasil Surf. Verdadeiros festivais de surf. O acontecimento do verão gaúcho. E as festas do surf na Crocodillo’s? Era o ponto de encontro da galera em Porto Alegre. Todo mundo estava lá. E por aí vai.

É claro que as coisas mudam. Umas pioram. Muitas melhoram. Mas nada continua igual. E não há nada melhor do que lembrar. É ótimo para quem não viveu aprender porque as coisas são como são e é melhor ainda para quem viveu, lembrar que fez parte daquilo que hoje, é apenas história.

E foi com este espírito, que ajudei o Rafa a juntar grande parte da turma “das antigas” de Tramandaí e Imbé, num churrasco. Todos juntos para contar e relembrar história. Algumas nem eu lembrava mais. Outras, aconteceram antes de “eu virar gente”. Muitas eu fiz parte. Demos muitas risadas. Mas acima de tudo, vivemos e confirmamos que o espírito, a razão pela qual tudo começou, continua intacta: camaradagem, diversão e tesão pelo surf. O corpo envelhece, mas a alma permanece ligada.

Espero que esta semente que está sendo plantada pela revista Na Real, junto com o trabalho da Cristina Engler, que está escrevendo um livro sobre a história do surf no estado, ajude a esclarecer de vez aquilo que se manteve escondido dos surfistas gaúchos durante a última década (ou mais): de que sim, temos uma história muito bacana para ser contada.