(Jornal Extremo Sul)
Na coluna deste mês tenho o prazer de contar uma coisa muito bacana que está acontecendo no surfe gaúcho, mas também tenho desprazer de comentar a volta do horror das mortes nas redes de pesca.
E é pela notícia ruim que inicio.
Na minha coluna da edição passada, comentei que nós, surfistas gaúchos, enfrentávamos os extremos. Escrevi que quando chegava o inverno por aqui, tínhamos que lidar com a água e o vento frio, as correntes e o pior: as redes de pesca.
Pareceu uma previsão. Menos de um mês depois, aconteceu. Este é um fato que já está se tornando corriqueiro para nós: morte em redes de pesca. Nem iniciou o inverno e já tivemos uma baixa. Trata-se de uma tragédia horrorosa. Mas ninguém, nem a imprensa, parece se impressionar. Uma manchete nos jornais no dia seguinte, uma chamadinha no rádio e na tv – quase insignificante – e terminou a atenção. Foi. Passou. Esta notícia não vende mais.
Eu convido o leitor a fazer algumas reflexões. Tente lembrar-se quantas vezes já vimos em revistas de circulação nacional, no Jornal Nacional e até no Fantástico, reportagens sobre a morte de surfistas – às vezes apenas ferimentos – causadas por ataques de tubarões no nordeste brasileiro. Agora compare este número com a absurda estatística oficial de 44 mortes em redes, acontecidas aqui no RS. Não há comparação. É desproporcional. E este número impressiona mais ainda se levarmos em conta que a história do surfe gaúcho tem uns 40 anos. Isto nos dá a horrorosa estatística de mais de uma morte por ano!
E ninguém parace se horrorizar com isto. O povo gaúcho – e aqui não falo apenas da comunidade do surfe – parece já ter assimilado esta tragédia. É como se o fato de seres humanos serem pescados como se fossem peixes, fosse uma fatalidade, como os ataques de tubarão contra os quais não há muito o que se possa fazer.
Está na hora de darmos uma basta para isto. Chega de promessas e leis que não resolvem nada. Chega de conversa e pose para fotografias sem que resultados sejam conquistados. Se o leitor pensa que estou criticando a FGS e os políticos que se intitulam nossos “aliados”, acertou. Tenho visto muita onda em cima do assunto e nada de solução. E quando faço esta crítica, faço com tranquilidade, pois não só faço parte de uma comissão que já obteve alguns resultados efetivos (acordo com a plataforma de Atlântida e derrubada, sob liminar, da lei que proibe o surfe ao lado da Plataforma de Tramandaí) mas também porque estas mesmas críticas, fiz pessoalmente para o Presidente da FGS. Ele sabe da minha posição e já ouviu minhas sugestões. Ah e é sempre bom lembrar: quando nossa comissão reúne-se periodicamente para trabalhar em cima do assunto, o único item que não faz parte da nossa pauta é propaganda. Nenhum de nós está buscando remuneração, notoriedade e muito menos votos – se é que me entendem.
Mas enquanto nada se resolve, a vida segue e nem tudo é notícia ruim no surfe gaúcho.
Uma pessoa corajosa e sonhadora, ousou desafiar o que parecia impossível e juntou numa mesma sala, representantes dos 40 anos de história do surfe local. Tive o privilégio – e a honra – de poder estar presente neste evento e, acreditem, foi inesquecível.
Quando conversei com a Cristina Engler pela primeira vez, em dezembro passado, confesso que não levei muita fé no projeto. Não por não acreditar nela, mas porque sabia que ela encontraria uma pedreira gigante pela frente e imaginei que esta pedreira não tinha jeito de ser derrubada.
Pois não é que a moça não só “patrolou” a pedreira, como também está conseguindo transforma-la num lindo gramado!
Eu, que estou acostumado a me achar velho e experiente, de repente me vi diante de gente bem mais velha e infinitamente mais experiente do que eu em termos de história do surfe gaúcho. Confesso que a metade dos presentes eu não conhecia. Era gente muito velha. Gente que
Não frequenta os mesmos mares que eu nem com a mesma frequencia. Mas percebi que tinhamos uma coisa em comum: a paixão pelo surfe. A outra metade era formada pela geração que antecedeu a minha e, finalmente, o “resto de nós”. As conversas giraram em torno de surf trips pré-históricas, praias virgens (que hoje são considerados “pico da galera”), equipamento, estilo de surf, competições e ídolos – Nat Young para uns, Mark Richars para outros e Tom Curren ou Kelly Slater para o resto.
Mais tarde, depois de muita cerveja oferecida pelo Dado Bier e um belo churrasco, houve uma projeção de slides. Inacreditável, é tudo o que eu posso dizer. Foto de uma Brasília carregada de pranchas, em cima dos molhes de Torres, de onde se vê a cidade – sem nenhum edifício! Outra da Guarita, com a clássica direita que nunca mais quebrou. Fotos de praias famosas da nossa Santa Catarina sem ninguém à vista. Fotos da inauguração da pista de skate do Marinha – e todo mundo com a camiseta da FGSS. (Não houve erro de digitação, é que naquela época, o skate fazia parte da Federação também). Muitas fotos de pranchões e, quando alguma cena de surf – clássico – aparecia, rolava aquela gritaria, só que não eramos nós os “guris” gritando e sim os “tios” revivendo aquele tempo em que para se ver um filme de surf em Porto Alegre, era preciso reunir uma turma num auditório e projetar a película numa parede branca.
Foi uma noite inesquecível. Provavelmente outras acontecerão. Mandei os meus parabéns para a Cristina no dia seguinte. Repito aqui e agradeço imensamente a força que ela está dando para a nossa comunidade.
Se Deus quiser, tudo vai correr bem e até o ano que vem teremos duas boas notícias para comemorar: o sucesso do projeto da Cristina que chama-se Caminho das Ondas e o fim das mortes em redes. Estou torcendo. E participando como posso.