quarta-feira, 4 de fevereiro de 2004

Situação do surfe gaúcho

Meu objetivo ao escrever o que segue, é sugerir que todos façamos uma reflexão sobre a situação em que o esporte se encontra no nosso estado. Na minha opinião - e provavelmente ao contrário do que a maioria pensa - o surf nunca esteve em situação mais preocupante por aqui.

Explico: a base de qualquer esporte, são as categorias de acesso. No caso do surfe, são os iniciantes, grommets, mirins e juniores. A partir de um trabalho bem feito com os atletas nesta fase, mais tarde aparecem os Pedras, Daisons e, por que não, Jeans da Silva - este último um bom exemplo, pois aproveitou nosso circuito amador por mais de uma temporada para preparar uma carreira que agora parece estar decolando, com patrocínios fortes e resultados ídem - em nível mundial. O Pedra é fruto do "periodo Bidart", época que foi - e ainda é - alvo de muitas críticas, mas que foi marcada por circuitos amadores anuais sempre com no mínimo 8 etapas.

É claro que não estou tentando defender a idéia de que "antes era melhor". Não se trata disso. O que estou tentando mostrar é que mesmo num período considerado por muitos como "negro" da FGS, tínhamos um circuito amador. E isto não acontece agora.

Cansei de ouvir nos últimos anos, mais de uma vez, a expressão "pela primeira vez na história do surfe gaúcho" ou então "o melhor" ou até "o maior...". Pois bem senhores, agora não paira nenhuma dúvida de que algo inédito aconteceu: "PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA DO SURFE GAÚCHO NÃO HAVERÁ NENHUMA ETAPA DO CIRCUITO GAÚCHO AMADOR NO VERÃO"!!! E isto não seria tão grave se houvesse a desculpa de que os patrocionadores sumiram ou algo parecido. Mas este não é o caso. Patrocinadores e eventos foi que não faltou neste verão. O que mais se viu foi campeonato "às brinca"...! Primeiro o Surf Boys Family, que ao invés de ser um evento com formato especial, podería contar pontos para um ranking - e circuito - mirim, a exemplo do que o Rip Curl Grom Search faz. Aliás, por que será que a Rip Curl tirou seu evento mirim do estado neste ano?

Depois aconteceu um tal campeonato só para surfistas "não federados" em Atlântida. Neste evento, apesar dos juízes fazerem parte da equipe da FGS, houve vários casos de xingamentos e confusões envolvendo os tais "não federados" que, justamente por não serem "federados", não estão sujeitos a nenhum tipo de sansão ou punição por parte da FGS.

Em seguida o WQS de que tanto tem se falado, em Torres. Tudo muito bacana. Surfistas do WQS nas nossas ondas. A oportunidade dos nossos atletas "brincarem" - já que não estão correndo o mundial. Mas a experiência é válida. A oportunidade de ver ao vivo alguns dos melhores atletas da atualidade, indescritível. Vários pontos para a FGS que conseguiu viabilizar o projeto junto com a sua parceira X3. Só espero que não se perca este evento para Santa Catarina no ano que vem, a exemplo do que aconteceu com o Super Surf este ano.

Depois do WQS mais nada. Acabou o verão e a única coisa que vai acontecer logo após o carnaval é outro evento para surfistas "não federados" outra vez! Aliás agora é um evento, segundo os organizadores, para homenagear os surfistas de uma época passada. Surfistas que competiram na década de 80. Infelizmente, apesar de eu ter vivido e competido intensamente esta época, cometi um pecado: me mantive competindo, o que faz de mim um surfista "federado" e, portanto, inapto para participar. Algo do tipo "tu não pode, o evento é para os meus amigos ganharem", entende?

Mas a maior e mais triste ironia disto tudo que está acontecendo é que todos os eventos citados acima foram sancionados e apoiados pela FGS! É incrível! Os surfistas gaúchos não tem campeonatos para treinar, mas a FGS está à plena! Sua equipe tem estado ocupada julgando e trabalhando em campeonatos cujos participantes não fazem parte do seu ranking! E todos estes eventos contaram com patrocínio, inclusive distribuindo farta premiação, com passagens internacionais, pranchas de surf, etc. Estou começando a ter a impressão que voltamos ao início da década de 80, quando tudo o que existia na cena competitiva do surf gaúcho era uma pequena "panela" em cada praia - e cada um por si.

Eu tento entender e não consigo. Da mesma maneira tento não me preocupar, dizendo pra mim mesmo que minha época já passou e que não tenho nada a ver com isso, mas não dá: preciso ao menos tentar. Preciso botar pra fora o que penso e ouvir o que a sociedade surfista gaúcha pensa sobre isto, pois não é possível que só eu esteja enxergando que o resultado desta falta de eventos para os nossos mirins é que em dois ou três anos não teremos mais nenhum surfista novo disputando final de brasileiro e muito menos um novo Pedra pra chuliarmos um ingresso no WCT.

E não venham me dizer que ninguém quer bancar eventos amadores, como já ouvi antes. Se não há patrocinadores para o nosso circuito AM, então cobrem uma taxa - a título de subsídio - de quem quer fazer eventos para "não federados". Assim ao menos quem faz a engrenagem funcionar - que são os surfistas amadores neste estado - receberão um pouco de benefício dos eventos que tem "portas fechadas" para eles. Esta taxa serviria para pagar o salário da equipe técnica e medalhas - que é tudo o que se precisa num evento AM (premiação é plus - amador precisa treinar). Ouvi várias vezes dizerem que o circuito catarinense AM "é uma favela". "Que não sei quem foi lá, ganhou e recebeu um troféu e uma camiseta de prêmio...". No entanto, neste mesmo final de semana do evento para os masters "não federados" em Atlântida, está acontecendo uma etapa do circuito catarinense de long em Imbituba e a segunda do AM no Santinho, em Floripa. Por que será que eles estão brigando pau-a-pau com SP e RJ no brasileiro AM?

Seguindo neste assunto, acabo de ler uma nota divulgando o evento deste final de semana em Atlântida, no Jornal Zero Hora. Também leio release, provavelmente redigido pelo patrocinador do evento (dada a babação), no Go Surf que cheio de orgulho informa que é um dos apoiadores do evento...o que está havendo? O evento que só permite a participação de uma panela é amplamente divulgado - e está lá escrito em todos os lugares: o evento tem o apoio da FGS! Isto não pode ser sério!

Entre outras coisas, penso que a FGS devería estabelecer critérios para manter a exclusividade, na organização de seus eventos, oferecida à X3. Na minha opinião, uma empresa para poder explorar com exclusividade o produto Surf Gaúcho, devería se comprometer em realizar eventos para todas as categorias - principalmente nos meses de maior concentração de surfistas na praia e, mais importante: nas praias com maior número de surfistas (Torres, Tramandaí, Atlântida, Capão, Cidreira, etc). É inacreditável que a base do nosso surf só vai ter o início do seu circuito em maio e na distante - e fria - São José do Norte! Quantos participantes vocês imaginam que estarão lá? Quantos novos valores estarão surgindo nesta primeira etapa?

Boas ondas.