segunda-feira, 15 de novembro de 2004

Ditadura no surfe gaúcho

(Jornal Extremo Sul)

Para a maior parte dos leitores do Jornal Extremo Sul, a palavra ditadura remete às aulas de história no colégio. A maioria de vocês, nasceu quando o Brasil já se encaminhava para um clima de “diretas já”, Tancredo Neves, Collor, etc. Portanto, acusar o surfe gaúcho de estar vivendo uma ditadura deve parecer meio estranho para aqueles que me lêem.

Eu explico. Houve uma época neste país, em que o simples fato de você pensar diferente do que o governo determinava, significava que você estava sujeito a ser preso e o pior: torturado. Você seria taxado de comunista e seria castigado por ousar pensar diferente.
Alguns artistas tinham suas obras examinadas antes mesmo de tornarem-se públicas e os veículos de comunicação sofriam todo o tipo de sensura prévia. O que não estivesse “de acordo” éra vetado.

Eu sou fruto desta época. No meu tempo, não se aprendia na escola nada sobre política e sociologia. Nos ensinavam a acreditar que o sistema político vigente era perfeito e que o Brasil era o melhor lugar do mundo para se viver. Lembro-me, como se fosse hoje, que admirava o presidente Médici, talvez um dos ditadores mais duros que o nosso pais já viu. Mas éramos educados a acreditar que ele éra um sujeito formidável. No entanto, no período em que ele esteve no poder, muitos inocentes morreram nos porões, torturados. Quando eu tinha 17 anos, em 1981, fiz um intercâmbio estudantil e fui morar na Califórinia (EUA) por seis meses. Lá, juntamente com estudantes de outros lugares do mundo, fazíamos palestras em escolas, cada um falando do seu país. Quando éra minha vez de falar, eu disparava barbaridades como “no Brasil não nos preocupamos com política. Temos coisas mais importantes e prazerosas para nos preocupar…”. Eu não tinha culpa. Estava sendo educado assim. E coitado de quem resolvesse protestar.

Mas isto foi há mais de vinte anos. De lá prá cá, o Brasil transformou-se num país tão democrático que chegou ao ponto de eleger um ex-metalúrgico como presidente. Os meios de comunicação tem liberdade para criticar, comentar e denunciar a classe política.

Na contra-mão disto tudo, vem o surfe gaúcho. Exagero meu? Acredito que não. Examine comigo: Já faz alguns anos que somos torpedeados com notícias de que “nunca o surfe gaúcho esteve tão bem” ou “pela primeira vez na história do surfe gaúcho está se fazendo isto ou aquilo” ou “a maior premiação da história” e por aí vai. Quem não pode viajar para competir em outros estados, lê pouco ou não conhece o passado do surfe gaúcho corre o sério risco de viver aquilo que eu vivi há 23 anos: ficar bitolado e acreditar naquilo que estão dizendo por aí.

Quanto à sensura e o tratamento com os “reacionários”, pelo que fiquei sabendo, está igual – falta só a tortura. Depois que a última edição do Extremo Sul saiu, com a minha coluna “Sem Tesão”, a FGS saiu à caça. Impos uma série de retaliações ao jornal e, até onde sei, todas as pessoas consideradas “meus amigos” passaram a sofrer algum tipo de pressão.

Ora, se isto não é um comportamento ditatorial, então eu não sei mais nada. No lugar do diálogo, a FGS prefere enfiar a cabeça num buraco e fazer de conta que aqueles que criticam são inimigos e os que elogiam são amigos. O pior é que a minha coluna nem fazia nenhum tipo de acusação, apenas dizia que EU estava desgostoso com a situação. Vai entender…

Houve quem me acusou de “nunca ter feito nada pelo surfe gaúcho”. Eu precisaria muito mais espaço do que tenho aqui para listar tudo o que já fiz, então escolhi uma coisa que serve como prova das duas coisas (que eu fiz e que a FGS estragou):


Na foto, você me vê cercado pela cúpula da FGS, em 2001, no coquetel de lançamento do Circuito Trópico Supertrials, válido para o ranking brasileiro, organizado pela Office Marketing.

O que eu fiz: incumbido pela FGS, fui ao mercado e fechei negócio com a Office, empresa com mais de 15 anos de mercado e super competente na área de organização de eventos. O que a FGS fez: quebrou um contrato que deveria durar três anos no final do primeiro ano - que a Office havia planejado para durar três - a FGS simplesmente dispensou-a. Não há uma explicação para o ocorrido. Simplesmente, chegou à conclusão de que não precisava mais da Office. Conclusão: a Office Marketing saiu com prejuízo financeiro e com uma péssima imagem do surf e nós…bem, nós, deixa pra lá!

quarta-feira, 10 de novembro de 2004

Em casa

(Site Ondas do Sul)

Foi com muita satisfação que recebi o convite para escrever uma coluna aqui no site. Na verdade, satisfação dupla, pois trata-se de um site legitimamente “Tramiliense” o que vai me dar a sensação de estar escrevendo pra galera que encontro todos os finais de semana dentro dágua e também porque recentemente tive o desprazer de me ver transformado em “persona non grata” pela Federação Gaúcha de Surf devido a uma coluna que escrevi no jornal Extremo Sul. Neste caso, fiquei muito faceiro pelo fato de ver que o que escrevi não manchou minha imagem junto à galera séria e que quer ver as coisas acontecendo do jeito certo no surfe gaúcho.

Desde que apareceram os primeiros sites gaúchos com a proposta de mostrar fotos das ondas que tenho uma crítica quanto a maneira dos caras organizarem a navegação nos mesmos. Sempre tive a impressão que o que a maioria dos visitantes queria éra – antes de mais nada – ver as fotos, depois o resto. E o que acontecia? Éramos obrigados a dar mil cliques até chegar à foto que queriamos. E ainda tem alguns sites que, ao abrirem, carregam uma dúzia de pop-ups com propaganda de festas, liquidações, etc, etc, etc.

Eis que num belo dia encontrei, por acaso, o Ondasdosulrs. Que maravilha! Uma foto do Backdoor e outra da Malvina, na cara! Sem frescura. Entrou no site e viu como está em Tramandaí. Pronto, posso seguir com os meus afazeres. Se tiver tempo, também posso explorar o site e ver um perfil de um surfista local, fotos da galera, etc. Tudo nosso. Tudo daqui. O resto está nos outros sites.

É isso aí. Tramandaí há muito tempo é um dos principais polos surfísticos do estado e merecia um site assim. E me orgulho de poder fazer parte disto agora.

Porque mesmo quando eu estava no Puerto Escondido, tinha saudades da direita “estúpida” da Malvina. Em Trestles, lembrava do Backdoor clássico. E em La Paloma, senti saudades da Barrinha clássica. É isso, depois de 30 anos surfando todos os finais de semana o mesmo pico, das duas uma: ou você enjoa de vêz, ou passa a considerar este pico, sua casa. Eu escolhi a segunda opção. E agora, posso ver como está “minha casa” de qualquer lugar do mundo.

Melhor: sou colaborador e “palpiteiro” do site que retrata “minha casa”…é o sonho.

Ainda não sei qual vai ser a frequência da minha participação aqui. Estamos entrando num período de experiência. A idéia é renovar a coluna quinzenalmente. Vou fazer o possível para não faltar e, desde já, coloco meu email (abaixo) à disposição da galera para servir de porta-voz perante à comunidade Tramiliense. Querendo mandar um recado pra galera do pico, mande um email e garanto que o recado chega lá.

Boas ondas.

domingo, 1 de agosto de 2004

Doces lembranças…

Revista Na Real

Foi com muito prazer e um pouco surpreso que li a primeira edição da Na Real. Lembrar histórias que vivi e que fizeram parte da minha vida me enchem de nostalgia e, de certa maneira, me fazem reviver um pouco daquela época, que foi tão boa. Foi muito bacana ler todas aquelas estórias contadas pela turma de Atlântida. Gente da minha geração, lembrando causos dos quais fiz parte.

Mas acima de tudo foi uma agradável surpresa constatar que finalmente está caindo a ficha. Aos poucos, as pessoas ligadas ao surfe aqui no RS estão se dando conta da importância de resgatar o nosso passado. Mas o mais surpreendente no caso da Na Real, é que o responsável pela revista é um jovem que não tem nem idéia de como as coisas éram.

O Rafael, está aproveitando o foco que determinou para a revista, para conhecer a história do surfe no estado. Na primeira edição, diagramada de maneira impecável, com um texto envolvente e de fácil leitura, conhecemos a história do esporte na região de Atlântida. O bacana é que o Rafa – e torço para que aos poucos, todo o resto da geração dele – está curtindo esta coisa de ouvir histórias. Ele está aprendendo a respeitar o fato de que, antes dele, existiam outros caras abrindo as portas e preparando o terreno que ele ocupa hoje.

Se hoje existem centenas de surfshops, dezenas de fábricas de prancha, empresas de surfwear, associações de surf, competições, etc. no RS, é porque existiu uma turma de “desbravadores” encarando as dificuldades características daqui para “adequar” o esporte à esta realidade. Esta gente ignorou o frio, a falta de clientes e de ondas, lutou contra o que parecia óbvio e transformopu esta terra, tão distante do ideal sonhado pelos surfistas (clima tropical, altas ondas, etc.) em um verdadeiro pólo surfístico.

E a realidade é que sempre me chateou o fato destes pioneiros ficarem esquecidos, não recebendo o verdadeiro crédito que merecem. Cada vez que eu ouvia frases do tipo “a primeira vez na história do RS” ou “a maior já feita no estado…” ou ainda “ nunca antes conquistado…” sendo proferidas por gente que nasceu ontem e, literalmente assassinando a nossa história, confesso que sentia uma mágoa muito grande. E isto não se deve apenas ao fato de eu ter feito parte de um pedaço da história real, mas porque eu não acho justo este desleixo com uma coisa tão rica e bonita como a nossa.

Fico pensando neste assunto e me vem à mente cenas de surf na praia da Guarita, em Torres, por volta de 1979. Os imãos Barroso, Alemão Caio e outros, arrebentando de pranchão (ou seriam guns). O primeiro campeonato de surf estadual do qual participei, com o patrocínio da Lee, nos molhes de Torres. Um amigo me avisou que seria desclassificado caso encostasse os pés no chão. Perdi a bateria, mas juro que não encostei os pés no chão. Alguns anos depois: Circuito Renner de Surf. Milhares de pessoas lotam a praia para assistir a final do evento, em Atlântida. A Renner montava uma estrutura comparável a que vemos hoje para os X Games. Até loja do Kanto Kente tinha! Depois as etapas do circuito Brasileiro (ABRASP) patrocinadas pela Brasil Surf. Verdadeiros festivais de surf. O acontecimento do verão gaúcho. E as festas do surf na Crocodillo’s? Era o ponto de encontro da galera em Porto Alegre. Todo mundo estava lá. E por aí vai.

É claro que as coisas mudam. Umas pioram. Muitas melhoram. Mas nada continua igual. E não há nada melhor do que lembrar. É ótimo para quem não viveu aprender porque as coisas são como são e é melhor ainda para quem viveu, lembrar que fez parte daquilo que hoje, é apenas história.

E foi com este espírito, que ajudei o Rafa a juntar grande parte da turma “das antigas” de Tramandaí e Imbé, num churrasco. Todos juntos para contar e relembrar história. Algumas nem eu lembrava mais. Outras, aconteceram antes de “eu virar gente”. Muitas eu fiz parte. Demos muitas risadas. Mas acima de tudo, vivemos e confirmamos que o espírito, a razão pela qual tudo começou, continua intacta: camaradagem, diversão e tesão pelo surf. O corpo envelhece, mas a alma permanece ligada.

Espero que esta semente que está sendo plantada pela revista Na Real, junto com o trabalho da Cristina Engler, que está escrevendo um livro sobre a história do surf no estado, ajude a esclarecer de vez aquilo que se manteve escondido dos surfistas gaúchos durante a última década (ou mais): de que sim, temos uma história muito bacana para ser contada.

quinta-feira, 15 de julho de 2004

Sem tesão

(Jornal Extremo Sul)

Hoje é quinta-feira e esgotou o prazo para fazer minha inscrição na 2ª etapa do Circuito Gaúcho de Surf. Esperei até o último momento para, finalmente, decidir que iria desistir. Uma série de motivos me fez pensar muito no assunto nas últimas duas semanas: o compromisso (informal) que tenho com as empresas que me dão apoio, o prazer que tenho de participar de competições e, principalmente, a necessidade de defender o meu título de atual campeão gaúcho da categoria master (como este ano só haverá um descarte, eu ainda estava no jogo, mesmo não tendo participado da primeira etapa).

Ocorre que estou sem tesão. Não que eu tenha cansado de participar das competições. Nada disso. Na verdade, estou sedento por sentir aquela sensação de euforia misturada com um pouco de ansiedade e nervosismo que toma conta de mim durante uma bateria de campeonato. O problema é que não estou com a menor vontade de participar do que estão me oferecendo. Um circuito estadual sem o menor apelo. Sem divulgação adequada. Sem importância. Com uma premiação desconhecida. Com datas que são alteradas a todo o momento (mas permanecendo nos meses mais frios). Enfim, um circuito sem o menor glamour.

É claro que este é o ponto de vista de quem não tem mais a menor necessidade de competir. De quem já participou de alguns dos maiores eventos de surf que este país já viu. Mas, acima de tudo, de quem ainda gostaria de poder viver a alegria de competir em campeonatos de surf sérios, organizados por quem está interessado em botar o surf pra cima. Eventos que fazem surgir novos valores – tanto no lado dos competidores quanto no da organização.

Fico pensando nos atletas jovens, que estão iniciando suas carreiras. Fico pensando nos coitados que se aventuraram até os confins do Estado na primeira etapa, enfrentando um clima congelante e despesas salgadas para, no fim do evento, ouvir da organização que a premiação seria entregue somente na segunda etapa. Bem, a segunda etapa chegou. O que acontecerá em Salinas? Sinceramente torço para que tudo corra bem. As previsões de tempo, vento e ondulação estão muito boas e mostram que o final de semana será de sol, clima ameno e pouco vento, além de ondas de 1 metro. Tomara que a organização faça a parte dela e cumpra com suas obrigações, não só oferecendo uma boa estrutura para os atletas, mas, também (e finalmente), entregando a premiação que está em atraso – e, claro, a desta etapa também.

Isso tudo me leva a refletir e tentar buscar uma resposta, que na verdade tenho dificuldade de encontrar. O que se passa na cabeça do presidente da FGS? Por que, apesar dos inúmeros apelos que fiz – pessoalmente e via e-mails – ele não me responde? Por que, apesar das inúmeras vezes em que me ofereci para colaborar, ele nunca chamou a mim nem a nenhum dos membros do Conselho. Aliás, para que serve um conselho que nunca é convocado?

Aí a gente vai fazendo as comparações. Enquanto os surfistas morrem presos em redes aqui no Estado, sem que nada seja feito (as tão faladas placas ficam só na promessa e, de qualquer forma, são paliativas – quem vive o surf há anos sabe que esta não é a solução), em Santa Catarina, a Federação de Surf consegue um convênio médico para seus atletas filiados. Enquanto vamos para a segunda etapa do nosso circuito estadual, que mal consegue premiar seus campeões, no Estado vizinho já vão a mil os preparativos para a etapa do WCT. Enquanto estamos lutando para termos um campeão profissional estadual, eles seguem na liderança do brasileiro amador. Enquanto olhamos com nostalgia para o período em que tínhamos um gaúcho no WCT, eles estão com um time de primeira arrebentando no WQS. E por aí vai...

Amigos, os (bons) resultados que a Federação Catarinense vem mostrando, tanto no campo competitivo quanto no administrativo, são fruto de muito trabalho. De muito suor. De muita dedicação. Mas, sem sombra de dúvida, é o resultado de um trabalho feito em equipe e planejado. Ele não começou ontem e não foi feito por apenas uma pessoa.

E antes que alguém argumente que as ondas são melhores em Santa Catarina, eu aviso: uma coisa não tem nada a ver com a outra. A qualidade das ondas não determina o resultado do trabalho fora d’água. Se, por um lado realmente não há comparação entre a qualidade das nossas ondas e as deles, por outro, também não há comparação entre o PIB Gaúcho e o Catarinense. O Gaúcho é muito maior. E, cá entre nós: quem determina a qualidade do trabalho executado for a d’água é o dinheiro e não as ondas.

É incrível que a equipe que está à frente da FGS hoje não se toque que é necessário fazer um trabalho de base. E não estou falando de competições. Estou falando de administração. É preciso organizar a entidade do ponto de vista administrativo. É preciso criar uma sede com telefone, fax, secretária para atender este telefone e receber os fax, bem como anotar os recados e esclarecer dúvidas de quem procura por informações – e incluo a imprensa aí. É preciso criar uma newsletter para ser enviada para um cadastro (que já deveria ter sido criado. Eu, particularmente, preenchi inúmeras vezes fichas e mais fichas com informações pessoais). É preciso colocar no ar, urgente, um site com informações básicas, comunicados à imprensa e filiados, que ofereça a facilidade de se fazer inscrições em eventos on-line, que sirva como agente captador de patrocínios para todo o tipo de evento (cultural, educativo e competições).

E é claro que para gerenciar todo este processo é necessária a figura de um manager, um sujeito que até pode ser o próprio presidente, não importa. O que importa, isto sim, é que ele deve se dedicar full-time ao ofício. E, para tanto, deve ser remunerado.

Ilusão? Viagem? Acredito que não. Dinheiro há no mercado. O produto surf é um dos mais valorizados. Surfistas que são empresários de empresas importantes ou que são pessoas influentes na sociedade gaúcha há aos montes. Basta que apareçam as pessoas certas, com bom projeto e planejamento. E o mais importante: que tenham credibilidade junto àquelas pessoas que citei acima. Pronto! O processo acontece ao natural.

Assim, caro leitor (voltando ao ponto em que iniciei a coluna), cheguei à seguinte conclusão: a previsão está indicando que será um final de semana de altas ondas. Quer saber? Vou pra minha praia, cair no mar bem tranqüilo, sem correria de bateria, sem ter que vestir long molhado, perto da minha mulher e da minha filha e, se tudo correr bem, surfar horas a fio sem ter a obrigação de sair do mar depois de 15 minutos.

Na verdade, estou contando as horas, os minutos. Estou louco que chegue sábado de uma vez, pois a vontade de surfar jamais vai diminuir. O tesão pelo surfe parece aumentar em mim à medida que os anos se passam. Infelizmente, não posso dizer o mesmo sobre as competições. Quem sabe um dia elas voltem a me atrair. Do jeito que está, não tem jeito: não há tesão!

Em tempo: o assunto “Morte de surfistas em redes” está, conforme eu havia previsto, sumindo. Já não se fala mais em placas, leis, demarcação de área, etc., etc., etc. O ciclo está chegando ao seu final. Nunca torci tanto para estar errado, mas ciclos são ciclos. Se um está terminando…

Deus nos ajude.

terça-feira, 15 de junho de 2004

Sentimentos extremos

(Jornal Extremo Sul)

Na coluna deste mês tenho o prazer de contar uma coisa muito bacana que está acontecendo no surfe gaúcho, mas também tenho desprazer de comentar a volta do horror das mortes nas redes de pesca.

E é pela notícia ruim que inicio.

Na minha coluna da edição passada, comentei que nós, surfistas gaúchos, enfrentávamos os extremos. Escrevi que quando chegava o inverno por aqui, tínhamos que lidar com a água e o vento frio, as correntes e o pior: as redes de pesca.

Pareceu uma previsão. Menos de um mês depois, aconteceu. Este é um fato que já está se tornando corriqueiro para nós: morte em redes de pesca. Nem iniciou o inverno e já tivemos uma baixa. Trata-se de uma tragédia horrorosa. Mas ninguém, nem a imprensa, parece se impressionar. Uma manchete nos jornais no dia seguinte, uma chamadinha no rádio e na tv – quase insignificante – e terminou a atenção. Foi. Passou. Esta notícia não vende mais.

Eu convido o leitor a fazer algumas reflexões. Tente lembrar-se quantas vezes já vimos em revistas de circulação nacional, no Jornal Nacional e até no Fantástico, reportagens sobre a morte de surfistas – às vezes apenas ferimentos – causadas por ataques de tubarões no nordeste brasileiro. Agora compare este número com a absurda estatística oficial de 44 mortes em redes, acontecidas aqui no RS. Não há comparação. É desproporcional. E este número impressiona mais ainda se levarmos em conta que a história do surfe gaúcho tem uns 40 anos. Isto nos dá a horrorosa estatística de mais de uma morte por ano!

E ninguém parace se horrorizar com isto. O povo gaúcho – e aqui não falo apenas da comunidade do surfe – parece já ter assimilado esta tragédia. É como se o fato de seres humanos serem pescados como se fossem peixes, fosse uma fatalidade, como os ataques de tubarão contra os quais não há muito o que se possa fazer.

Está na hora de darmos uma basta para isto. Chega de promessas e leis que não resolvem nada. Chega de conversa e pose para fotografias sem que resultados sejam conquistados. Se o leitor pensa que estou criticando a FGS e os políticos que se intitulam nossos “aliados”, acertou. Tenho visto muita onda em cima do assunto e nada de solução. E quando faço esta crítica, faço com tranquilidade, pois não só faço parte de uma comissão que já obteve alguns resultados efetivos (acordo com a plataforma de Atlântida e derrubada, sob liminar, da lei que proibe o surfe ao lado da Plataforma de Tramandaí) mas também porque estas mesmas críticas, fiz pessoalmente para o Presidente da FGS. Ele sabe da minha posição e já ouviu minhas sugestões. Ah e é sempre bom lembrar: quando nossa comissão reúne-se periodicamente para trabalhar em cima do assunto, o único item que não faz parte da nossa pauta é propaganda. Nenhum de nós está buscando remuneração, notoriedade e muito menos votos – se é que me entendem.

Mas enquanto nada se resolve, a vida segue e nem tudo é notícia ruim no surfe gaúcho.

Uma pessoa corajosa e sonhadora, ousou desafiar o que parecia impossível e juntou numa mesma sala, representantes dos 40 anos de história do surfe local. Tive o privilégio – e a honra – de poder estar presente neste evento e, acreditem, foi inesquecível.

Quando conversei com a Cristina Engler pela primeira vez, em dezembro passado, confesso que não levei muita fé no projeto. Não por não acreditar nela, mas porque sabia que ela encontraria uma pedreira gigante pela frente e imaginei que esta pedreira não tinha jeito de ser derrubada.

Pois não é que a moça não só “patrolou” a pedreira, como também está conseguindo transforma-la num lindo gramado!

Eu, que estou acostumado a me achar velho e experiente, de repente me vi diante de gente bem mais velha e infinitamente mais experiente do que eu em termos de história do surfe gaúcho. Confesso que a metade dos presentes eu não conhecia. Era gente muito velha. Gente que
Não frequenta os mesmos mares que eu nem com a mesma frequencia. Mas percebi que tinhamos uma coisa em comum: a paixão pelo surfe. A outra metade era formada pela geração que antecedeu a minha e, finalmente, o “resto de nós”. As conversas giraram em torno de surf trips pré-históricas, praias virgens (que hoje são considerados “pico da galera”), equipamento, estilo de surf, competições e ídolos – Nat Young para uns, Mark Richars para outros e Tom Curren ou Kelly Slater para o resto.

Mais tarde, depois de muita cerveja oferecida pelo Dado Bier e um belo churrasco, houve uma projeção de slides. Inacreditável, é tudo o que eu posso dizer. Foto de uma Brasília carregada de pranchas, em cima dos molhes de Torres, de onde se vê a cidade – sem nenhum edifício! Outra da Guarita, com a clássica direita que nunca mais quebrou. Fotos de praias famosas da nossa Santa Catarina sem ninguém à vista. Fotos da inauguração da pista de skate do Marinha – e todo mundo com a camiseta da FGSS. (Não houve erro de digitação, é que naquela época, o skate fazia parte da Federação também). Muitas fotos de pranchões e, quando alguma cena de surf – clássico – aparecia, rolava aquela gritaria, só que não eramos nós os “guris” gritando e sim os “tios” revivendo aquele tempo em que para se ver um filme de surf em Porto Alegre, era preciso reunir uma turma num auditório e projetar a película numa parede branca.

Foi uma noite inesquecível. Provavelmente outras acontecerão. Mandei os meus parabéns para a Cristina no dia seguinte. Repito aqui e agradeço imensamente a força que ela está dando para a nossa comunidade.

Se Deus quiser, tudo vai correr bem e até o ano que vem teremos duas boas notícias para comemorar: o sucesso do projeto da Cristina que chama-se Caminho das Ondas e o fim das mortes em redes. Estou torcendo. E participando como posso.

sábado, 15 de maio de 2004

Boas vindas, Extremo Sul

(Jornal Extremo Sul)

Não existe classificação mais adequada para o lugar onde surfamos. Estamos no lugar mais ao sul deste imenso pais. Passamos dificuldades e vivemos experiências que nos diferenciam enormemente dos nossos colegas “do norte” e tudo porque vivemos no extremo sul do Brasil.
Mas não é só isso.

Também podemos encontrar um outro significado para a expressão “Extremo Sul”: é uma referência à luta constante que nós, surfistas gaúchos, temos que travar contra as adversidades que encontramos para praticar este esporte por aqui. Nesta terra, num momento está agradavelmente quente, mas com o vento nordeste acabando com qualquer condição razoável de surf. Em outro momento, está soprando um vento sul congelante fazendo com que o mar cresça – mas junto com o swell, vem a corrente, o frio e o pior: as assassinas redes de pesca.

Mas ainda assim, surfista gaúcho sabe que nem são tão raros assim os dias clássicos. Nós sabemos que depois daqueles dez dias de nordeste, vem a chuva e, com ela, o terral e o resultado: tubos e mais tubos quadrados. Também sabemos que, antes de chegar o vento Minuano que traz o frio e a ressaca, sempre rola um clássico de terral. E a baixada após a ressaca? O vento sul começa a enfraquecer, a temperatura começa a subir, o mar vai baixando e ajeitando e…bingo! Outro clássico logo após a ressaca. Depois de acompanhar estes ciclos por alguns anos, qualquer surfista gaúcho aprende a “sentir” as condições. Nem precisaríamos de previsões na internet. Aqui, no extremo sul, as condições climáticas são mais fáceis de serem previstas, porque elas tem mudanças…extremas!

E porque tudo nesta terra parece ser extremo, espero que este novo veículo dirigido à nossa comunidade busque o extremo nas suas coberturas. Que vá a fundo nas reportagens e principalmente: que tente resgatar o valor do surfe gaúcho, que anda tão em baixa ultimamente. Não fossem o Pedra e o Daison nos representando, estaríamos esquecidos. Abandonados aqui no extremo.

Então é isso. Para aqueles que já conheciam minha coluna – de outras épocas e veículos – prometo manter a mesma linha. Para os que nunca puderam ler o que escrevo, apresento-me: 26 anos de surfe – 26 anos trabalhando com o surfe, como competidor, na área de marketing e na organização de eventos - 26 anos lendo tudo o que está à disposição sobre o esporte. Minha proposta é passar para o papel o meu jeito de interpretar os fatos, tendo como base esta experiência.

Dou as boas vindas ao Extremo Sul. Espero que o jornal tenha muito sucesso e que a comunidade surfística gaúcha acolha este novo veículo com muito carinho.

Um abraço e até a próxima.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2004

Situação do surfe gaúcho

Meu objetivo ao escrever o que segue, é sugerir que todos façamos uma reflexão sobre a situação em que o esporte se encontra no nosso estado. Na minha opinião - e provavelmente ao contrário do que a maioria pensa - o surf nunca esteve em situação mais preocupante por aqui.

Explico: a base de qualquer esporte, são as categorias de acesso. No caso do surfe, são os iniciantes, grommets, mirins e juniores. A partir de um trabalho bem feito com os atletas nesta fase, mais tarde aparecem os Pedras, Daisons e, por que não, Jeans da Silva - este último um bom exemplo, pois aproveitou nosso circuito amador por mais de uma temporada para preparar uma carreira que agora parece estar decolando, com patrocínios fortes e resultados ídem - em nível mundial. O Pedra é fruto do "periodo Bidart", época que foi - e ainda é - alvo de muitas críticas, mas que foi marcada por circuitos amadores anuais sempre com no mínimo 8 etapas.

É claro que não estou tentando defender a idéia de que "antes era melhor". Não se trata disso. O que estou tentando mostrar é que mesmo num período considerado por muitos como "negro" da FGS, tínhamos um circuito amador. E isto não acontece agora.

Cansei de ouvir nos últimos anos, mais de uma vez, a expressão "pela primeira vez na história do surfe gaúcho" ou então "o melhor" ou até "o maior...". Pois bem senhores, agora não paira nenhuma dúvida de que algo inédito aconteceu: "PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA DO SURFE GAÚCHO NÃO HAVERÁ NENHUMA ETAPA DO CIRCUITO GAÚCHO AMADOR NO VERÃO"!!! E isto não seria tão grave se houvesse a desculpa de que os patrocionadores sumiram ou algo parecido. Mas este não é o caso. Patrocinadores e eventos foi que não faltou neste verão. O que mais se viu foi campeonato "às brinca"...! Primeiro o Surf Boys Family, que ao invés de ser um evento com formato especial, podería contar pontos para um ranking - e circuito - mirim, a exemplo do que o Rip Curl Grom Search faz. Aliás, por que será que a Rip Curl tirou seu evento mirim do estado neste ano?

Depois aconteceu um tal campeonato só para surfistas "não federados" em Atlântida. Neste evento, apesar dos juízes fazerem parte da equipe da FGS, houve vários casos de xingamentos e confusões envolvendo os tais "não federados" que, justamente por não serem "federados", não estão sujeitos a nenhum tipo de sansão ou punição por parte da FGS.

Em seguida o WQS de que tanto tem se falado, em Torres. Tudo muito bacana. Surfistas do WQS nas nossas ondas. A oportunidade dos nossos atletas "brincarem" - já que não estão correndo o mundial. Mas a experiência é válida. A oportunidade de ver ao vivo alguns dos melhores atletas da atualidade, indescritível. Vários pontos para a FGS que conseguiu viabilizar o projeto junto com a sua parceira X3. Só espero que não se perca este evento para Santa Catarina no ano que vem, a exemplo do que aconteceu com o Super Surf este ano.

Depois do WQS mais nada. Acabou o verão e a única coisa que vai acontecer logo após o carnaval é outro evento para surfistas "não federados" outra vez! Aliás agora é um evento, segundo os organizadores, para homenagear os surfistas de uma época passada. Surfistas que competiram na década de 80. Infelizmente, apesar de eu ter vivido e competido intensamente esta época, cometi um pecado: me mantive competindo, o que faz de mim um surfista "federado" e, portanto, inapto para participar. Algo do tipo "tu não pode, o evento é para os meus amigos ganharem", entende?

Mas a maior e mais triste ironia disto tudo que está acontecendo é que todos os eventos citados acima foram sancionados e apoiados pela FGS! É incrível! Os surfistas gaúchos não tem campeonatos para treinar, mas a FGS está à plena! Sua equipe tem estado ocupada julgando e trabalhando em campeonatos cujos participantes não fazem parte do seu ranking! E todos estes eventos contaram com patrocínio, inclusive distribuindo farta premiação, com passagens internacionais, pranchas de surf, etc. Estou começando a ter a impressão que voltamos ao início da década de 80, quando tudo o que existia na cena competitiva do surf gaúcho era uma pequena "panela" em cada praia - e cada um por si.

Eu tento entender e não consigo. Da mesma maneira tento não me preocupar, dizendo pra mim mesmo que minha época já passou e que não tenho nada a ver com isso, mas não dá: preciso ao menos tentar. Preciso botar pra fora o que penso e ouvir o que a sociedade surfista gaúcha pensa sobre isto, pois não é possível que só eu esteja enxergando que o resultado desta falta de eventos para os nossos mirins é que em dois ou três anos não teremos mais nenhum surfista novo disputando final de brasileiro e muito menos um novo Pedra pra chuliarmos um ingresso no WCT.

E não venham me dizer que ninguém quer bancar eventos amadores, como já ouvi antes. Se não há patrocinadores para o nosso circuito AM, então cobrem uma taxa - a título de subsídio - de quem quer fazer eventos para "não federados". Assim ao menos quem faz a engrenagem funcionar - que são os surfistas amadores neste estado - receberão um pouco de benefício dos eventos que tem "portas fechadas" para eles. Esta taxa serviria para pagar o salário da equipe técnica e medalhas - que é tudo o que se precisa num evento AM (premiação é plus - amador precisa treinar). Ouvi várias vezes dizerem que o circuito catarinense AM "é uma favela". "Que não sei quem foi lá, ganhou e recebeu um troféu e uma camiseta de prêmio...". No entanto, neste mesmo final de semana do evento para os masters "não federados" em Atlântida, está acontecendo uma etapa do circuito catarinense de long em Imbituba e a segunda do AM no Santinho, em Floripa. Por que será que eles estão brigando pau-a-pau com SP e RJ no brasileiro AM?

Seguindo neste assunto, acabo de ler uma nota divulgando o evento deste final de semana em Atlântida, no Jornal Zero Hora. Também leio release, provavelmente redigido pelo patrocinador do evento (dada a babação), no Go Surf que cheio de orgulho informa que é um dos apoiadores do evento...o que está havendo? O evento que só permite a participação de uma panela é amplamente divulgado - e está lá escrito em todos os lugares: o evento tem o apoio da FGS! Isto não pode ser sério!

Entre outras coisas, penso que a FGS devería estabelecer critérios para manter a exclusividade, na organização de seus eventos, oferecida à X3. Na minha opinião, uma empresa para poder explorar com exclusividade o produto Surf Gaúcho, devería se comprometer em realizar eventos para todas as categorias - principalmente nos meses de maior concentração de surfistas na praia e, mais importante: nas praias com maior número de surfistas (Torres, Tramandaí, Atlântida, Capão, Cidreira, etc). É inacreditável que a base do nosso surf só vai ter o início do seu circuito em maio e na distante - e fria - São José do Norte! Quantos participantes vocês imaginam que estarão lá? Quantos novos valores estarão surgindo nesta primeira etapa?

Boas ondas.