domingo, 10 de julho de 2005

Maestro da Transfiguração

Ainda poderiam estar aqui nesta pequena amostra, a Surfer, a Trip e mais uma dúzia.

Antes de mais nada, o cara é surfista. Eu disse "antes" e realmente quis dizer isto. Antes de se tornar famoso como designer gráfico, David Carson era um malucão do surf. Tenho a impressão que depois ele levou sua maluquice para o mundo gráfico e seus Macintoshes e deixou apenas o soul para o surfe.

David Carson, curtindo a onda em frente de casa, no Caribe | Foto: Aaron Chang

Encontrei o texto que segue, no site da revista Design Gráfico.

Revolucionar. V. t. d. 1. Excitar à revolução; instigar à revolta; sublevar; revoltar. 2. Agitar moralmente; perturbar. 3. Causar notável mudança em; transformar. 4. Pôr em rebuliço; agitar. 5. Insurgir-se; sublevar-se; revoltar-se.
Efeitos desencadeados por todos os sinônimos do verbete acima transformaram literalmente as concepções do design quando David Carson trouxe seu trabalho a público. No fim dos anos 70, quando o designer dividia seu tempo entre a atividade como professor de sociologia e sessões de surf, um workshop de duas semanas o apresentou ao ofício.
Desde então, passaram-se mais de 20 anos, nos quais enfileiraram -se oportunidades de trabalho acompanhadas de muita sorte: o estilo do norte-americano era uma releitura do caótico trazido pelo movimento Merz, que teve como expoentes construtivistas como Schwitters e Lissitsky. A plataforma Macintosh se afirmando como a ferramenta ideal para o design, além do advento do postscript, que acabou com as limitações dos bitmaps e formas digitais e o estilo grunge afirmando-se como forma de expressão musical para uma geração. Tudo conspirava para que o designer estivesse “no lugar certo e na hora certa”, como diz Billy Bacon, da Nu’Des.


Em 1983, idéias fervilhando na cabeça unidas ao objetivo de causar impacto fizeram David Carson optar pela revista “Transworld Skateboarding” para trabalhar como diretor de arte. Em suas páginas, a revista trouxe experimentações em layout e tipografia que quase dissociavam o conteúdo editorial do projeto gráfico, tamanho o caos que reinava nas edições. Matérias poderiam começar na primeira capa, serpentear ao longo de toda a revista, para terminar na quarta capa.
Após a experiência da “Transworld” e de ter participado de outros projetos de menor porte, em 1990 chefiou o desenvolvimento das páginas da revista de comportamento e música “Beach Culture”. Considerada o ápice criativo de Carson, a revista foi extinta em sua sexta edição, recebendo mais de 150 prêmios de design gráfico no mundo inteiro.
O estrondoso sucesso da “Beach Culture” fez com que o designer privilegiasse a não imposição de qualquer tipo de grid, além da liberdade de criação: foi aí que Marvin Scott Jarrel cruzou seu caminho e, juntos, conceberam o que se tornaria a hecatombe do design em escala comercial. A “RayGun” trazia, em seu miolo de conteúdo musical, uma das máximas de Carson na execução de seu trabalho: “A intuição é instrumento da invenção”.
produção aleatória
David Carson conta que, enquanto trabalhava na revista, não imaginava que mudaria as concepções de design gráfico em tão larga escala. “Nunca pensei nisso ou percebi algo do tipo. O processo de criação era tão rápido e me absorvia tanto que eu só pensava em fazê-lo aproveitando o máximo, experimentando, me divertindo”.
Uma das derivações desse ciclo de produção foi uma empresa de fontes para atender à demanda tipográfica das páginas da “RayGun”, a Garage Fonts, que hoje exerce atividades independentes da revista, da qual o designer se desligou em 96.
A essa altura, o californiano já havia adquirido status de estrela no mundo do design gráfico, assim como seus contemporâneos Neville Brody, Rudy Vanderlans etc. Assim, foi naturalmente alçado de porta-voz da cultura underground para o mundo corporativo. Caciques do mundo capitalista como Coca-Cola, Nike, AmEx, Citibank, etc, tiveram reformuladas por ele suas identidades visuais, publicidade impressa e comerciais.
Em seus trabalhos para empresas ou nas páginas de revistas como a porto-riquenha “Surf in Rico” e a brasileira “Trip”, Carson recorre a um mosaico de inspiração que inclui música, grafite, pichações, a vida praiana e suas inúmeras viagens. “Para ser bom designer, no entanto, não é necessário rodar o mundo, mas ter no mínimo variadas experiências de vida”.
A referência ao sortimento de situações pelas quais já passou é marcante em seu trabalho. Além das viagens, que oferecem “o prazer de conhecer novas culturas e de estar em contato com climas propícios à criação” a prática do surf e sua energia são drenadas para seu design. Como auxiliar na composição de idéias, uma câmera digital o acompanha em todos os lugares, onde registra o banal, o curioso, o mórbido, o engraçado. Por vezes, nem entende a razão do clique. “Mas depois, quando vejo uma foto aparentemente mal resolvida e inútil, enxergo soluções para trabalhos muito mais eficazes do que se fossem feitos com uma foto ‘planejada’.

Eu não estava brincando: é na frente da casa dele mesmo! Setembro de 2004
low- tech
Apesar do site viver em metamorfose, Carson não se sente atraído pelo desenvolvimento para a Web. “Acho que, em relação ao design gráfico, o webdesign perde muito de sua força, fica confuso, não segue uma direção muito clara. Além disso, perde-se uma considerável energia no processo, conduzido por softwares mal resolvidos, que coíbem a liberdade de implementar elementos na página, por conta de caixas invisíveis!”, diz, indignado.
No estúdio de Nova York, onde trabalha com outras duas pessoas, o designer assume função multimídia: atende ao telefone, negocia e centraliza as decisões de todas as etapas do projeto. Esses são alguns dos motivos pelos quais Carson justifica sua falta de tempo para se dedicar ao desenvolvimento de projetos para a Internet. O designer lembra que há três anos fez o projeto do site da MGM Studios, mas que o saldo da experiência não foi dos melhores. “Foi frustrante, lento e restritivo. Além disso, defendo o uso de gráficos interativos, vídeo, filmes, que só agora são viáveis, com a vinda de melhores recursos, como a banda larga e streaming”.
Mas essas novidades não parecem muito atrativas. Quando questionado se não tem receio de perder espaço no mercado devido ao crescimento da Internet - onde, segundo ele próprio, tudo está baseado – Carson dá de ombros. “Não vou fazer webdesign porque todos fazem, isso não me dá prazer. Só navego para ver um site específico, e não entendo como as pessoas podem ficar em frente a uma tela procurando por nada! Eu não posso me dar a esse luxo, nem tenho paciência”.

percalços e influência
Um grande opositor de David Carson no design foi Paul Rand, criador do logotipo da IBM, entre outros projetos de notável relevância. Rand, morto em 1996, chegou a cortar relações com um amigo que convidou Carson para uma conferência.
“Para mim, essas provocações nunca fizeram grande diferença. Os contemporâneos de Rand, modernistas, ou seja lá o que for, proclamam o uso de grids e sistemas para obter um design de boa qualidade, uniforme. Para eles, eu sou o cara que jogou tudo isso fora, dizem que meu trabalho não transmite nada. Mas se causou raiva neles, já é um bom começo”, diz, entre risadas. “Fiz o que tive vontade e tenho prazer no que faço, até hoje”.
Alexandre Wollner, um dos cânones do design brasileiro, questiona: “a falsa iniciativa foi de transpor a cultura MTV para o visual gráfico, linguagem discutível inclusive para mídia televisiva. Você pode usar a tipografia como material ilustrativo e esculhambá-lo, mas se não serve para ler, então para que serve?”
Por outro lado, Billy Bacon, designer brasileiro declaradamente influenciado pela forma não convencional de se comunicar, não vê problemas no modus operandi trazido nos anos 80 por Carson: “Quem trabalha com design, estuda e pesquisa, deve utilizar qualquer estilo para ser mais eficiente na transmissão de idéias”. Sobre a legibilidade, Billy é ainda mais veemente: “Para mim, é um assunto ultrapassado. O design é uma manifestação de comunicação que vive evoluindo e se transformando. Na época, a ilegibilidade não destruia apenas um conceito de design. Seu poder era e é bem maior que isso. Questionar a legibilidade é questionar o sistema como um todo. Só não vê quem não quer”.
Para Cecília Consolo, que organizou as apresentações internacionais na Bienal de Design Gráfico, o momento é de reflexão. “Considerar novas possibilidades e linguagens é essencial para que o trabalho não fique estagnado. Carson é uma figura emblemática do design, quer gostemos do trabalho dele ou não. Ele rompeu com o processo suíço, trazendo uma nova forma de pensar para o design e isso é inquestionável”.
Uma questão com a qual Cecília trabalha há anos com seus alunos na faculdade e que Wollner apresenta em seu discurso é sobre a “californificação” do design, considerada pelos mais ortodoxos como uma moda passageira, de valores efêmeros e que representa risco para a produção brasileira.
O designer-surfista acha difícil que aconteça um segundo “boom” no design, como o que ele mesmo detonou, há vinte anos. Atribui à globalização e o surgimento de novas mídias uma quase impossibilidade de não repetir o que já foi feito no meio impresso. É esse o tema de um dos seus livros, “The End of Print”, cujo título foi tirado de uma conversa com Neville Brody, que comentou: “O que poderia ser feito com a impressão nós já fizemos de todas as formas. É hora de migrar para outra mídia, o que mais podemos fazer?”.
Tudo leva a crer que o mundo precisa de mais manifestações regionais (e originais) de design. Não significa que o impacto de páginas como as da “Beach Culture” ou da “RayGun” deva ser exorcizado das fontes de inspiração: a criação, mais do que nunca, tende a ser orientada por citações como a de que “não é possível ser neutro” –essa é apenas uma das frases de Marshall McLuhan, contidas no próximo livro de Carson, “The Book of Probes”. Inspire-se.

2 comentários:

Helena - Rocky Baby disse...

muito bom encontrar um blog que "é escrito", onde não se encontra muita coisa... parabéns, muito bonito teu blog, em todos os sentidos...
p.s.: por acaso vc é amigo do F.Ferrari...

Helena - Rocky Baby disse...

Bem... vou começar como me foi indicado...
Sr. Celofani Confuso...
(adorei o apelido!!)
valeu pelo elogiu... mas o meu blog tá parado faz tempo... estou estudando algumas coisas de filosofia para ver se volto a tocar ele... mas tá meio difícil...
querer ser poliglota está me dando um bocado de trabalho!!
falei com o Nando hoje e como vc pode ver ele andou contando muitas coisas!!
acho até q talvez a gente já tenha se visto de longe... já que vc vai nas parties de quarta q o Nando dá no escritório dele... e eu morava (estou a 2 meses no México) na frente do escritório dele... e geralmt ficava acordada até depois q vocês saiam...
aaa... y mais uma pergunta (guriazinha curiooosa!!!) :) ... vc é parente da arquiteta Clarice Mancuso...
mt legal te conhecer
bjs