quarta-feira, 8 de junho de 2005

A história do Backdoor

Coluna do site Ondas do Sul | Abril 2005
Ilustração do Torrano | Wavetoon

Alguma vez você se perguntou de onde surgem os nomes dos picos? É lógico que cada nome possui uma história por trás. Mas nem sempre a gente tem acesso a estas lendas.

Lembro que quando surfei pela primeira vez na Ferrugem, em Garopaba, na verdade o acesso ao pico era feito através da Barrinha, que era o pico conhecido. Na época, a Ferrugem ainda não havia sido batizada. Era um secret, ao menos para nós. Os surfistas se referiam a ela como "o outro canto da Barra". Mas a história deste pico, assim como a da maioria dos que já surfei, eu não conheço.

A história que eu conheço é a do surfe "Tramiliense". Eu estava lá, surfando a direita do "sovaco", no lado sul da plataforma quando a guerra iniciou nas Ilhas Malvinas. Eu vivi a experiência de ver o pico ser batizado de Malvina, pois a brincadeira era de que as direitas "power" que estavam entrando vinham direto das Malvinas. "É o swell das Malvinas" brincava a galera no pico. E o nome pegou, com uma pequena variação: em vez de Malvinas (como os pouco frequentadores do pico costumam falar), Malvina. E mais: a onda da Malvina é aquela que quebra exatamente no "sovaco", na linha do "T". Geralmente sua melhor formação é com um nordestinho bem fraco, que faz a volta por baixo dos pilares e pega quase de frente ao trem de direita que se forma ali, nos dias em que tudo se encaixa. Todas as outras ondas que quebram no lado sul, erradamente chamadas de Malvina, na verdade apenas estão quebrando lá "no lado da Malvina". Quem já pegou uma Malva clássica sabe que é até uma ofensa chamar qualquer outra onda por este nome...

Mas e o Backdoor? A história do Backdoor é um pouco mais, como direi, íntima. Ocorre que nos tempos do nascimento da Malvina, não me lembro de ver boas ondas no lado norte do pier. Claro que provavelmente elas estavam lá, apenas não percebíamos.

Preciso chamar a atenção do leitor para o fato de que o fundo ao redor da plataforma estava num período de profundas mudanças, pois não fazia muito tempo que ela havia sido aumentada e o "T" construído.

Então, num dia de vento sudoeste, corrente fraquinha de sul, estávamos o Alexandre "Super" Strunz e eu, tentando achar alguma coisa surfável na Malvina e nada. As ondas teimavam em engordar e o pior: estavam tortas, viradas em direção aos pilares. E volta e meia víamos uma esquerda do outro lado que parecia bem surfável. Nos olhávamos e deixávamos pra lá. Na verdade, não tínhamos noção que estava rolando um Backdoor daqueles.

Mas depois de muito insistir e não conseguir pegar nenhuma onda que preste na Malvina, resolvemos "dar uma chance" para o outro lado.

Ao nos posicionarmos no pico, percebemos que aquela corrente fraquinha de sul que tinha na Malvina, neste lado não existia. Também dava pra notar que estava bem mais liso, pois os pilares filtravam aquele vento sudoeste.

Quando entrou a primeira série, não acreditamos. Era incrível como não havíamos percebido a perfeição daquelas ondas enquanto estávamos na Malvina (isto acontece ainda hoje. As vezes tenho a impressão que os pilares tem o poder de ofuscar a visão de quem está do outro lado).
Não lembro qual dos dois entrou na primeira. De qualquer maneira, as séries tinham várias ondas e só estávamos nos dois no mar (bons tempos).

A esquerda tinha uma primeira sessão em pé, perfeita para batidas e snaps, depois entrava numa parte do banco mais funda e dava uma engordada. Nesta sessão, executávamos cutbacks e tínhamos todo o tempo do mundo para ajeitar a base para entrar na última sessão da onda, já no côco, onde ela se transformava num expresso tubular que terminava no canal.
Ao voltar da nossa primeira onda, sentados no pico, meio tontos com a experiência, nos olhamos e começamos a brincar que havíamos encontrado o "backdoor da Malvina".

E o nome pegou. Na verdade era uma onda muito mais longa do que a Malvina. Como descrevi antes, ela iniciava na linha do "T" e só terminava na beirinha, no canal - sem sessão "mata-barata", sem necessidade de picar a prancha. Era uma onda só, do início ao fim. Uma onda de cansar as pernas. De fazer a cabeça. "Internacional, dizíamos na época.

E naquele ano e nos próximos tivemos o prazer de pegar muitas vezes o pico na sua plenitude. Houve um ano em especial, se não me engano abril, maio e junho de 1985, que o Backdoor quebrou todos os finais de semana. A natureza conspirou e durante três meses, toda sexta-feira entrava uma nova frente fria e a ondulação virava de sul e o vento de sudoeste. Eu lembro que virou rotina dar três banhos por dia, no sábado e no domingo. Também durante aqueles três meses, toda a segunda-feira eu acordava quebrado, moído!

Lembro de um campeonato Interassociações que aconteceu em Tramandaí e, na bateria final da qual fiz parte, na categoria Open, o vento deu a virada para sudoeste e a ondulação já tava daquele jeito. Lembro que no canto do pier, a corrente era muito fraca e como a onda terminava no canal, o surfe no pico era um verdadeiro carrossel.

O problema é que os outros participantes da final, entre eles Sandro Neto, não conheciam os segredos do Backdoor. Conclusão: surfei todas as ondas no pico, fiz pontuações super altas e ganhei o campeonato. Os outros competidores se perderam na corrente e passaram a maior parte da bateria remando.

É uma pena que tanto a Malvina quanto o Backdoor não quebram faz muito tempo. Na verdade não lembro a última vez em que peguei um dos dois picos funcionando. É claro que a todo momento rola um clássico do lado de cá ou do lado de lá. A gente até comenta "que estava clássico no Backdoor ou na Malva", mas é apenas força de expressão.

A boa notícia é que eu acredito profundamente que tudo na natureza é cíclico, e sendo assim, os bons tempos de Backdoor e Malvina clássicos estão voltando. É cruzar os dedos e torcer para este ser o ano!

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