quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Memórias póstumas de um surfista

Gostou da foto? Agora imagine uma rede de pesca no caminho...
Foto: Brian Nevins/Monday Morning Wave

Surfistas X redes de pesca

Agora, pela primeira vez, o acidente ocorreu em pleno veraneio. Época de praias lotadas, mar cheio de surfistas e período em que, por lei, não deveríam haver redes na água.

Tenho visto uma movimentação intensa. Tenho recebido inúmeros e-mails sobre o assunto. Autoridades, imprensa e dirigentes estão empenhados. Mas não me empolgo. Já vi este filme antes. Mais duas, três semanas talvez e morre o assunto. Torço para estar enganado, mas esta não é a primeira vez que passo pela mesma função.

Mais surfistas gaúchos morrerão até que o governador do estado resolva encampar o assunto e dar um fim a esta barbaridade.

Recebi hoje à tarde um e-mail com um texto cuja autoria desconheço. O assunto é antigo, mas está neste momento mais vivo do que nunca, por conta de mais uma morte de surfista. Leia e reflita, abaixo:

" Memórias póstumas do Surfista Gaúcho.


Poderia eu, para a melhor compreensão do leitor, comparar este breve relato póstumo ao som de uma sirene - dos bombeiros ou de uma ambulância qualquer - aquele som que nos pega de surpresa, quase que nos despertando de um certo estado letárgico, onde nossos olhos estão normalmente voltados ao nosso próprio umbigo, isto é, as nossas própria preocupações.

Um alerta que devido a sua força, contundência e velocidade com que penetra em nossos ouvidos e, em milésimos de segundos atinge nossa alma, avisando-nos que algo muito mais importante que nossas preocupações cotidianas está a acontecer. Lembrando-nos que algo precisa ser feito urgente.


Me chamava, Surfista Gaúcho, um nome estranho, bem sei, mas por um desejo de meu pai, um dos pioneiros do esporte no RS, foi este meu nome de nascença.
Tal como os nomes que condicionam destinos, mal tomei consciência de mim como pessoa, naquele mundo que deixei pra trás, quando numa noite de festas chegou um cara de roupa vermelha e barbas brancas trazendo dentro de um saco da mesma cor, um tipo de tábua toda colorida, uma corda pra prender na perna e uma espécie de sabonete cheiroso que estranhamente não escorregava...aliás grudava. Não entendia, na verdade, muito bem para o que aquilo serviria, mas pela alegria estampada no rosto de meu pai, percebi que aquela tábua, que ele chamava de prancha, deveria ser algo muito legal!

Já na escola, percebi que outros colegas também queriam surfar. Nossa vontade era incrível, o desejo de fugir para nosso litoral era imenso, e a cada ano que passava aumenta cada vez mais tomando parte, cada vez mais, de nossas vidas. Já não bastavam aqueles três meses de férias que passávamos na praia todo ano. Eu queria mais. Alguns anos depois e a simples possibilidade de ficar em casa e perder as ondas do final de semana, já era suficiente para me deixar arrasado.

Eu amava o mar, aliás, agora com o distanciamento que forçosamente me foi imposto, posso perceber que amava as ondas, amava as trips, a companhia de meus amigos, amava aquela sensação de completa torcida e expectativa para que acontecesse a mais bela de todas as manifestações da natureza, a comunhão da ondulação certa, com o vento certo, no lugar certo. Pois, sabia que quando isso acontecia, eu me tornava a pessoa mais feliz do mundo.


Mas, havia uma rede de pesca no meio do caminho, no meio do caminho havia uma rede de pesca.
Já tinha ouvido inúmeros casos de outros surfistas que desgraçadamente tinham morrido enroscados nas mesmas, devido à falta de informação e segurança. Pudera ter um meio de avisar a todos surfistas que devido às condições ímpares do litoral gaúcho em relação ao Brasil, já que, pelo fato de ser totalmente aberto, isto é, sem barreira naturais de morros ou encostas, acaba sofrendo a influência das fortes correntes laterais.

Assim é preciso que estejam sempre em estado de alerta, pois neste dias apesar de entrarem em locais afastados das redes no mar, inevitavelmente acabam arrastados pela sua força e são levados para outros lugares. Confesso que aquelas histórias das mortes de surfistas nas redes no RS, apesar de inicialmente provocarem um certo temor e indignação, vinham sempre
acompanhadas, talvez, inconscientemente, de um certo sentimento de invencibilidade, acreditava que nunca haveria de acontecer comigo. Como me arrependo disto... Por que não fiz algo para evitar estas mortes? Por que não pressionei as autoridades responsáveis pela fiscalização e segurança para agirem? Poderia quem sabe, ter sugerido alguma providência, como placas de advertência, com as cores obedecendo ao padrão mundial de sinalização, isto é, placa verde: área de surf, amarela área intermediária de atenção e a placa vermelha indicando os locais destinados exclusivamente à pesca. Algo simples, e facilmente entificado por todos, pois até uma criança em seus primeiros anos de vida, logo já sabe o que estas cores representam. Uma providência de baixo custo e que fosse padronizada para todas as praias de nosso litoral - para evitar que houvesse um tipo de identificação diferente para cada balneário.

Poderia também, ter sugerido uma espécie de parceria entre as prefeituras e a iniciativa privada que em troca da visualização de suas marcas na praia, poderia entrar com os recursos necessários para tanto. Estabelecendo, desta forma, uma excelente ação de marketing, onde
estariam aliando suas marcas, a segurança dos surfistas e ao bem mais valioso de todos: A Vida.

Bem, agora estou aqui, olhando tudo de um outro plano, já um pouco conformado com meu destino... mas absolutamente inconformado com o perigo e os riscos que continuam passando os surfistas no RS. A sirene está tocando,
Você não está ouvindo?

P.S. Um abraço a todas as famílias que tiveram a tristeza de perder um ente querido de maneira brutal nas redes de pesca, em nosso litoral."

Um comentário:

Rodrigo Lobo disse...

Talvez seja interessante assistir ao curta sobre o assunto surfistas x redes de pesca no site Surfclipe:
http://www.surfclipe.com.br/exibe_video.php?c=90