terça-feira, 5 de abril de 2005

Surfistas

(Martha Medeiros | Jornal Zero Hora | Quarta-feira | 29/08/2001)

A Veja anuncia cada exemplar com outdoors espalhados pela cidade, mostrando a capa da semana e fazendo referência à reportagem principal através de uma frase de efeito. Funciona, chama a atenção. O outdoor que está veiculando atualmente diz mais ou menos assim: "Dicionário Houaiss. 228.500 verbetes, inclusive as oito palavras que os surfistas já sabem. Ainda bem que surfista não sabe ler, né?".

Eu nunca pratiquei surfe, mas sempre tive uma certa atração pelo esporte, já que gosto de mar e de praia. Por muito tempo o surfe foi considerado um hobby elitista, mas hoje, se não me engano, é o segundo esporte mais praticado no país, ficando atrás apenas do futebol, o que não chega a surpreender, tendo o Brasil uma costa litorânea tão extensa. O surfe emprega pessoas e sustenta famílias, mas quem quer saber de reavaliar conceitos? Uma vez surfista, sempre calhorda.

Nós não pegamos onda, mas sabemos como pegar no pé. E dá-lhe rotular. Todo engenheiro é careta, todo publicitário é mauricinho, todo modelo é burro, todo médico é santo, todo jogador de futebol é ignorante, todo jornalista é de esquerda, todo corretor é chato, todo poeta é viajandão, todo advogado é canalha, todo mecânico é desonesto, e acho que basta de exemplos, lembrando que vale para ambos os sexos. Serão mesmo?

Em alguns casos, são, sim. Só que com um detalhe: o engenheiro careta, se de repente virar um webdesigner, será um webdesigner careta. O publicitário vaidoso, se for trabalhar numa mina de carvão, vai levar um espelhinho escondido na carteira. O corretor xarope, se resolver ser diretor de cinema, vai ser um diretor de cinema daqueles que a gente atravessa a rua para evitar o encontro. Temperamento e QI independem da profissão ou do esporte que a gente escolhe. Não fosse assim a gente diria que todo presidente dos Estados Unidos é inteligente, e, no entanto, quem diria.

Não tenho a menor vontade de conhecer o Havaí, não saberia diferenciar uma parafina de um sabonete e tenho trauma de tatuíra. O desagravo, portanto, vai em nome dos diversos surfistas que conheço que são leitores vorazes, não escutam apenas Foo Fighters e, se não conhecem mais de oito palavras, é em russo. No inglês, frances e espanhol, até que se viram direitinho. Aliás, Gustavo Kuerten, pelo pouco que sei, não me parece um idiota, e não é jogando xadrez que ele descansa do tênis.

Piadinhas, tudo bem, mas preconceito já perdeu a graça.

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